terça-feira, 7 de abril de 2009

CUIDADOS AO PRODUZIR GRÁFICOS - PARTE 4 - MUDANÇAS NA ESCALA HORIZONTAL OU NA LARGURA AFETAM A PERCEPÇÃO

A escolha da largura de um gráfico afeta a percepção da evidência dos dados. Gráficos estreitos e altos ajudam a enfatizar as variações. Gráficos largos ajudam a amenizar as variações. O produtor pode escolher a razão entre altura e largura que melhor conduzir ao significado que ele quer passar.

Se o produtor tem um gráfico que mostra muitas flutuações, ou tendências indesejadas de subida ou queda, basta alongar o gráfico para amenizar tais evidências visuais. Caso queira enfatizar tais variações, basta tornar o gráfico alto e estreito.

Um efeito parecido pode ser conseguido com um outro truque mais sutil, que é mudar o valor da escala no eixo horizontal, sem nenhum razão aparente. O leitor incauto não perceberá as escalas que variam de valor, e será conduzido somente pela evidência visual do gráfico.

O gráfico a seguir usa este truque de uma maneira bem leve. O tempo entre a primeira barra e a terceira barra equivale a dez anos; logo, o leitor supõe que a barra do meio, colocada igualmente espaçada entre as duas outras barras, representa um valor do meio, ou seja, de cinco anos; no entanto, a barra do meio representa seis anos. Neste caso, para passar uma evidência visual correta, esta barra deveria ser colocada ligeiramente para a direita, mais próximo à barra dos dez anos. O observador que não se atenta a essa mudança, tem a impressão de uma tendência de queda menor do que realmente é.

Gráfico retirado do relatório anual de uma grande companhia automobilística japonesa. As distâncias na escala horizontal não coincidem com os valores de tempo, e passam uma impressão de variação distorcida ao leitor.
O gráfico a seguir é um ótimo exemplo de como não fazer um gráfico, ou como cometer vários erros de representação visual em alguns centímetros quadrados.

Um dos seus problemas é bem comum, que é a escala que não começa no zero, o que dá uma impressão exagerada na taxa de mudança dos valores. Enquanto parece que o valor de mercado das empresas americanas despencou de um pico a zero (isso mesmo, o gráfico dá a impressão que as empresas não valem mais nada, uma vez que o final da linha de evolução encosta-se ao eixo horizontal), na verdade elas desvalorizaram cerca de 17% (de 17,054 para 14,082 trilhões de dólares).

Mas o problema mais grave está na escala horizontal, que divide o tempo analisado em três períodos: março a outubro, outubro a dezembro, e dezembro a março. Entretanto, as divisões não apresentam tamanhos iguais, e nem denotam o mesmo período de tempo.

A primeira divisão representa 6 meses (abril, maio, junho, julho, agosto e setembro), e tem 80% do tamanho da segunda divisão. A segunda divisão representa apenas 1 mês (novembro) e é maior que a primeira, que representa 6 meses, e ligeiramente maior que a terceira, que representa 2 meses (janeiro e fevereiro).

Caso este gráfico estivesse representado com um escala de tempo coerente e espacialmente proporcional ao tempo representado em cada período, poder-se-ia notar uma tendência de queda muito mais acentuada que a mostrada por este, o que corroboraria o ponto de vista da reportagem, que tenta chamar a atenção para a crise da bolsa de valores americana.

Este é provavelmente um caso em que o desenho de gráfico ruim atuou contra os interesses do seu produtor, amenizando, ou invés de exagerar, as evidências da notícia. Nestes casos pode-se afirmar, com certa dose de confiança, que o produtor sofreu de desinformação, falta de atenção ou ignorância.

Gráfico com problemas nas escalas vertical e horizontal. Na medida do tempo, não há coerência ao longo do eixo sobre a proporcionalidade entre a medida usada no desenho e o tempo representado. [O Estado de São Paulo, 23 de março de 2008, pág. B4. Imagem digitalizada a partir do original]
Mas o uso de mudanças nas escalas não é intrinsecamente incorreto, e nem sempre é desonesto. Desde que a mudança na escala seja claramente indicada ao leitor, e este esteja ciente de que a representação visual pode estar distorcida, não há problemas.

A seguir, no eixo vertical da direita (que indica porcentagens), há uma indicação de descontinuidade na escala. O símbolo de descontinuidade (≈) é uma solução muito mais honesta do que simplesmente começar a escala num valor diferente de zero.

Gráfico retirado do relatório anual de uma empresa automobilística japonesa, com uma indicação de descontinuidade na escala do eixo vertical direito. Um exemplo de uso honesto de escala descontínua.
O próximo exemplo faz um uso mais extensivo das descontinuidades, e ainda assim de forma honesta. A escala horizontal apresenta o símbolo de descontinuidade para enfatizar ao leitor que há uma diferença de escala entre os anos de “90” e “02”, que logo é seguido por anos consecutivos. Esta indicação é repetida na linha de evolução na área do gráfico, reforçando a indicação de mudança de escala. O mesmo acontece com a escala vertical, que apresenta duas linhas em paralelo que vão serpenteando através das barras para indicar uma descontinuidade na escala, que corretamente começou no zero. Um produtor desonesto teria usado uma escala de base não zero, ou mesmo esta descontinuidade, sem qualquer preocupação em indicar ou chamar a atenção sobre isto.

Gráfico retirado do relatório anual de uma empresa automobilística japonesa, com indicações de escalas descontínuas em ambos os eixos. Escalas descontínuas podem ser usadas honestamente, desde que indicadas ao leitor.

Usar escalas descontínuas sem evidenciar isto ao leitor é desonesto, pois fornece uma representação visual distorcida em relação ao que o leitor está esperando do desenho do gráfico.

Mas mesmo o uso de escalas descontínuas indicadas ao leitor deve ser usado com cuidado, pois mesmo sendo tecnicamente correto e honesto, continua distorcendo a imagem geral do gráfico e dificultando a análise. O leitor é obrigado a abstrair mentalmente como seria o gráfico se a escala fosse contínua, para ter uma noção mais realista das tendências e variações dos valores. Além disso, as descontinuidades nas escalas geram algumas perguntas incômodas: O que o autor está deixando de fora? O que há na área descontínua que poderia mudar a análise do gráfico? Se a escala fosse contínua o gráfico transmitiria outra mensagem?

2 comentários:

Anônimo disse...

Interessante trabalho sobre arquitetura da informação, gráficos são veículos de informação e comunicação e por vezes confundem quem os tentam interpretar . Esse trabalho é inovador e ajudará tanto na elaboração como na interpretação dos dados postados em diferentes tipos de gráficos, afinal muitos negócios são fechados baseados em resultados.

Alessandro Nicoli de Mattos disse...

Olá Anônimo,

Muito obrigado pelo comentário! Você pegou o espírito do assunto do Blog! É isso mesmo.

E mais fácil do que palavras, os números podem carregar muitas mentiras, ao contrário do ditado de que "números nunca mentem".

Aguarde a parte sobre estatísticas, que também será muito interessante.

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